Siga-nos Você Também!

segunda-feira, maio 12, 2014

Ressocialização: após liberdade, ex-presos voltam à prisão para trabalhar

Conheça os projetos, além de história de ex-presos que foram recolocados de forma positiva na sociedade

O Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF) e a Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL 2) abrigam juntos cerca de 1.846 internos. Todos esses homens e mulheres tiveram seu direito à liberdade retirado por conta dedelitos cometidos na sociedade. E não é um erro afirmar que cada um deles conta os dias para estar fora da prisão. Mas quando o momento de sair chega, o que fazer depois? Seria ousadiavoltar ao presídio para trabalhar por exemplo, mas as histórias a seguir provam o contrário.

Jonas, 30, é professor de desenho na CPPL 2 e todos os seus 17 alunos conhecem bem a sua história. Durante 12 anos ele foi usuário de crack, o que ocasionou em várias passagens por presídios de Fortaleza e até em São Gonçalo do Amarante. Mas o rapaz conta que a passagem pela CPPL 2 mudou sua vida para sempre. “Lá Deus mudou minha vida”, relembra.

image

Jonas no dia em que recebeu liberdade (FOTO: Arquivo pessoal)

Ainda no presídio Jonas usava crack e gerava dívidas com os traficantes que também estavam presos. Um dia, enquanto ouvia rádio na sua cela, ele teve contato com o testemunho de um preso que após passar por um projeto dentro do presídio, mudou de vida. E, para Jonas, aquilo foi um sinal de Deus para mudar sua vida também. “Eu pedi pra trocar de ala, fui ficar junto dos evangélicos, onde tinham vários projetos. A vida que eu estava não dava mais, era o fundo do poço, se eu continuasse, iam me matar por causa das dívidas. Eu dormia no chão e meu travesseiro era uma garrafa de refrigerante.”

Quando chegou na ala dos evangélicos, o jovem começou a estudar a bíblia e refletir sobre sua vida. A partir daí foram só mudanças. “Passei a me alimentar bem, minha mãe ficou muito feliz e eu desenterrei um dom que nem lembrava ter, o desenho. E a vontade de usar drogas foi passando”, comemora. Jonas passou a fazer cursos de desenho oferecidos pela Secretaria de Justiça (Sejus) e as pessoas reconheciam seu trabalho fazendo encomendas. Ele passou a ter perspectiva na vida e três anos e três meses depois de ser preso, ele finalmente conseguiu a liberdade.

E foi ai que a vida deu mais uma reviravolta. Quando se viu livre, Jonas recebeu a proposta de voltar ao presídio, dessa vez para trabalhar. E aceitou. Hoje ele é professor de um curso de desenho dentro da CPPL 2, lugar onde viveu por longos 39 meses. Ele dá aula todos os dias, além de ganhar a vida como artista plástico. “Foi um projeto de Deus, hoje sou casado e tenho uma filha de dois meses. Conto minhas histórias para os presos para inspirar eles a mudarem também, se eles quiserem é possível”, encerra.

“Foram dois anos, cinco meses, 13 dias e cinco horas…”

As paredes em tons de lilás e rosa, diminuem a tensão do local e em meio as grandes do IPF, encontramos Madalena Melo, a Madá. Após quase dois anos e meio presa, hoje ela trabalha na coordenação do núcleo de artesanato do mesmo local. “Foram dois anos, cinco meses, 13 dias e cinco horas na cadeia e desse tempo eu passei dois anos e quatro meses participando dos projetos e oficinas”, relembra.

Durante os dias na prisão, ela costumava pensar no que ia fazer quando saísse de lá. “Eu tinha receio de como me portar no mercado.” Mas assim que ganhou a liberdade ela começou a trabalhar no presídio. “Recebi uma carta de emprego, fui ao juiz e no outro dia já estava de volta, trabalhando”, conta. Hoje ela trabalha oito horas diárias e é responsável pela coordenação dos cinco núcleos do artesanato, entre eles o de bordado. Madalena também cuida da compra de material, além de participar das feiras de artesanato, inclusive em outros estados. E sua família, principalmente seus dois filhos, apoiam totalmente a decisão de trabalhar no instituto.

Madá conta que a primeira vez que voltou ao local onde esteve presa, sentiu o coração acelerado e um nó na garganta, mas a sensação ruim não durou muito. “Quando vi a alegria das meninas em me ter de volta, fiquei tranquila. Esse salário que ganho aqui é o que me sustenta, mas melhor ainda é ajudar nos projetos. Continuo aqui porque acredito na política de ressocialização e na mudança do ser humano, uma vez que ele se permite mudar”, pontua.

E ela sabe que nem todas as meninas que estão lá vão conseguir se ressocializar, mas elas têm consciência de que aprenderam a fazer alguma coisa enquanto prestas e que a mudança só depende delas. “Essas meninas nunca vão poder dizer que não tiverem oportunidade de mudar, aliás tem muita gente aqui fora que não tem as oportunidades que elas tem lá dentro”, finaliza.

Quando foi presa Madalena era cabeleireira e quando se viu encarcerada foi procurar refúgio no trabalho. “Lá aprendi tudo que sei hoje. Sou artesã cadastrada, tenho carteirinha”, orgulha-se. Segundo ela a melhor forma de driblar o tempo dentro do presídio é trabalhando. “É uma terapia, só têm efeitos positivos”, finaliza.

Porta que se abriu

“Cometi um crime em 2003, mas não é por isso que vou ser para sempre um criminoso”, é assim que Cléber Vieira, 35, começa sua história. Ele passou um ano e 11 meses preso na CPPL 2 e lá, como nas histórias anteriores, conseguiu mudar de vida.

Cléber trabalha na CPPL 2, local onde esteve preso (FOTO: Arquivo pessoal)

Cléber trabalha na CPPL 2, local onde esteve preso (FOTO: Arquivo pessoal)

O rapaz relembra que apesar de ter cometido o crime em 2003, seu julgamento só aconteceu no ano de 2010, quando acabou sendo preso. Quando chegou no presídio foi instalado na ala dos evangélicos e decidiu mudar de vida naquele instante. Participou de todos osprojetos ofertados: música, desenho e serigrafia. Mas foi nas aulas de violão que uma porta se abriu para Cléber. “Nas aulas de violão recebi a oportunidade de dar aulas, o que faço até hoje. Foi uma pequena coisa, mas a partir disso tudo melhorou”, conta.

Ele conta que ama tudo que envolve música e arte em geral e hoje trabalha no que gosta, ajudando pessoas, assim como foi feito com ele. “Três vezes na semana estou na CPPL 2para dar aulas e nos outros dias faço testes com os presos, pois eles têm outras atividades e eu corrijo o que foi feito.”

Além de músico, Cléber também trabalha com artes plásticas e se considera a prova viva de que quando o ser humano tem oportunidades e vontade, ele é capaz de mudar para a melhor.

Projetos de ressocialização

Segundo o dicionário ressocializar é tornar sociável aquele que está desviado das regras morais e/ou costumeiras da sociedade. A ressocialização de presos e egressos, ou ex-presos, tem como foco desenvolver qualificações em pessoas que cometeram um crime, mas querem mudar. E é esse o foco dos projetos desenvolvidos pela Coordenadoria de Inclusão Social de Preso e Egresso (CISPE).

As histórias acima são exemplos de ex-pressos que enquanto estavam na cadeia conheceram os projetos de ressocialização e tiveram a chance de mudar de vida. Cristiane Gadelha, coordenadora da CISPE, explica que a coordenadoria foi criada no ano de 2012, mas os projetos existem há vários anos, apesar de em menor quantidade. “Há dois anos temos núcleos voltados exclusivamente para os projetos, inclusive um núcleo que cuida da parte de qualificação dentro dos presídios”, aponta.

São cerca de 14 projetos onde mais de quatro mil presos, entre homens e mulheres, passam por cursos qualificantes que os preparam para o mercado de trabalho fora dos presídios ou dentro, se mesmo em liberdade eles quiserem continuar trabalhando. Cristiane conta que muitos dos assistidos não têm nenhuma habilidade e após os cursos desenvolvem aptidões e vontade de continuar quando saem do cárcere.

Entre os projetos está o Maria, Mariasonde as presas do Instituto Penal Feminino (IPF) participam de cursos de qualificação em áreas como artesanato, culinária, costura e beleza. Ao fim dos cursos todas as participantes recebem certificado e diminuição da pena. “A cada 12 horas de qualificação a presidiária tem um dia a menos na pena”, explica Cristiane. Além disso alguns cursos se tornam oficinas produtivas, onde o que foi aprendido passa a ser confeccionado e vendido, dessa forma as presas são contratadas e a cada três dias de trabalho elas têm menos um dia na prisão.

Outro projeto desenvolvido pela CISPE é oCores da Liberdade onde 30 homens, de alguns presídios, são selecionados para pintar a própria unidade prisional. A seleção é feita a partir do bom comportamento. Eles passam por um curso e recebem certificado de pintor. Cristiane explica que o ramo mais fácil para o egressos conseguirem trabalho quando saem da prisão é o da engenharia civil, por isso, ainda nos presídios os presos passam por cursos profissionalizantes e saem aptos a trabalhar em canteiros de obra. Alguns desses empregos fazem parte do projeto Mãos que constroem, onde os ex-presos trabalham em obras do Governo.

A industrialização dos presídios, onde as empresas se alocam dentro das unidades prisionais e os presos tem a oportunidade de trabalhar, chegando a ter a possibilidade de serem contratado pela empresa após a liberdade, é o projeto de maior destaque da coordenadoria. Cristiane explica que isso é bom para a empresa socialmente e financeiramente. Mas principalmente para os presos, pois eles recebem salários e podem ajudar suas famílias.

Depois que saem da prisão os egressos têm ajuda da CISPE no encaminhamento para empregos, mas a sociedade precisa ajudar, pois enquanto os presos estão dentro do presídio, o governo ajuda e qualifica. Mas quando o preso saí ele precisa da empresa para se contratado e se o egresso não consegue emprego, pode voltar para o crime. Cristiane Gadelha coordenadora do núcleo, “um preso ressocializado é um bandido a menos nas ruas”, finaliza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário