O Orçamento da União de 2012 reservou R$ 80,3 bilhões para que os
ministérios realizem investimentos. O grosso será aplicado em obras.
Desse total, 56,5% já se encontram submetidos ao RDC, o Regime
Diferenciado de Contratações, mais flexível do que a Lei de Licitações
(8.666/93). Deseja-se chegar a 83,3%.
O governo utilizou os megaeventos esportivos como pretexto para criar
o RDC. As obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 consumirão
neste ano de 2012 R$ 1,82 bilhão, 2,3% do total de investimentos. Na
sequência, o modelo foi estendido às obras do PAC –R$ 43,5 bilhões,
54,2% do total.
Atropelando as críticas, o governo vale-se de uma manobra para
ampliar o uso das licitações “descomplicadas”. O Planalto recorre a
congressistas companheiros para contrabandear artigos em medidas
provisórias que não guardam relação com o tema. Uma delas vai a voto
nesta semana no Senado.
Foi baixada por Dilma Rousseff para implantar o projeto Brasil
Carinhoso. Prevê o reforço do Bolsa Família às famílias vivem na miséria
absoluta e têm crianças de até seis anos entre seus membros. Injetou-se
na peça um artigo que estende as licitações flexíveis às obras da
educação (construção e reforma de escolas).
Sob protestos da oposição, o novo contrabando foi aprovado na Câmara
na semana passada. Em 2012, as obras da pasta da Educação somam R$ 12,1
bilhões, 15% do total. Quer dizer: se a novidade passar também no
Senado, o pedaço dos investimentos sujeitos às licitações suavizadas irá
a 71,5%.
Planeja-se aplicar o RDC também nas obras da área de saúde, orçadas
neste ano em R$ 9,5 bilhões, 11,8% do total. Já houve uma tentativa
frustrada de pegar carona numa MP que corria na Câmara. Trama-se nova
investida. Se funcionar, o percentual dos investimentos submetidos às
novas regras vai a 83,3%.
Como o ano já se encaminha para o final, eventuais mudanças na
educação e na saúde não devem alcançar toda a execução do Orçamento. Os
percentuais são citados aqui para dar ideia do que pode ocorrer a partir
de 2013, quando serão gastas as sobras de 2012 (“restos a pagar”) e um
orçamento novinho em folha.
Esse tema, por controverso, tem gerado enorme polêmica. O excesso de
escândalos envolvendo obras públicas indica que a Lei de Licitações
reclama ajustes. Sancionada em 1993, nas pegadas do caso dos Anões do
Orçamento, a peça revelou-se incapaz de conter a roubalheira. Porém…
O que incendeia o debate é a forma escolhida pelo governo para
retirar as obras do guarda-chuva da velha lei. Em vez de propor um
ajuste global, submetido ao contraditório de um debate franco, o
Planalto promove a lipoaspiração gradual da 8.666. Terceirza o bisturi a
parlamentares amigos e passa o trator da maioria nos plenários da
Câmara e do Senado.
Notícias veiculadas no site da Câmara, de onde foram extraídos os
dados desfiados nesse texto, revelam que a fórmula adotada pelo governo
está longe de pacificar a encrenca. O debate
sobre o rumo das licitações é açulado pelas dúvidas quanto aos gastos
da Copa e pelas certezas que brotam da CPI do Cachoeira em relação à
construtora Delta, campeã no ranking de obras do PAC.
Enquanto os contrabandos do governo avançam com celeridade, tramitam
no Congresso, a passos de tartaruga manca, várias propostas de reforma
da Lei de Licitações. O principal projeto é de 1995. Já lá se vão 17
anos. Leva o número 1.292. Carrega em anexo outras 150 propostas sobre o
mesmo tema.
O projeto já foi aprovado pelos Senadores. Na Câmara, foi refugado
por duas comissões: a de Trabalho, Administração e Serviço Público e a
de Finanças e Tributação. Estacionou na Comissão de Justiça, que se abstém de apreciá-lo.
Numa Brasília sem contrabandos, o governo verificaria se o projeto é
aproveitável. Constatando que é inservível, enviaria ao Congresso uma
proposta que considerasse adequada. Em vez disso, prefere fatiar a Lei
de Licitações por meio da esperteza das medias provisórias.
A manobra prevalece sobre o processo legislativo regular com o
argumento de que o RDC trouxe novidades benfazejas. Alega-se que as mudanças tornaram
as licitações mais ágeis e baratearam as obras. Não há dúvidas quanto à
primeira parte do argumento. Contratações que demoravam cerca de 120
dias passaram a sair do papel na metade do tempo.
Em relação aos preços, porém, a equação do governo está sustentada,
por ora, apenas no gogó. Os canteiros de obras já licitados sob as novas
regras encontram-se abertos. Só ao final será possível saber quanto vão
custar ao contribuinte. Coube à Infraero, estatal que gere os
aeroportos, inaugurar a aplicação do RDC. Os números que emanam da
empresa reforçam a propaganda oficial (repare aqui).
O governo ganhou, de resto, um aliado de peso. Presidente do TCU, o ministro Benjamin Zymler tornou-se um defensor
do RDC. A opinião dele, porém, não é consensual nem no tribunal de
contas, cujos técnicos levam o pé atrás em segredo. De resto, a
oposição, em flagrante minoria no Congresso, faz o lhe resta: grita a esmo.
UOL/ Josias de Souza
UOL/ Josias de Souza
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